segunda-feira, 19 de maio de 2014



MEUS SONHOS

Há muitos e muitos anos numa terra longe daqui viveu uma menina sonhadora.
Ela subia em árvores como um moleque, mas brincava com bonecas com a doçura de uma mãe.
Ela amava a vida, amava a terra, as pessoas, os animais.
Era pura e inocente.
Não havia medo nessa menina, só fascínio pela vida.
Por onde ela andava deixava um rastro de artes, mas não coisas sérias demais.
Ela sabia até como aprontar artes.
Era uma pequena sabida como ela só.
Mas era tão ingênua, às vezes.
Ela esperou toda a sua infância por uma boneca muito especial, uma dessas que não podia ter. Diferente de suas bruxinhas de pano.
Uma boneca mecanizada, dessas que andam.
Foi uma promessa boba, feita por alguém que não entendia nada de crianças.
E ela acreditou, fantasiou por anos e anos.
Até a adolescência bater a sua porta e dizer que era hora de acordar.
Deixar de sonhar sonhos bobos.
É difícil aceitar que a infância acaba e deixa para trás sonhos não realizados.
É difícil entender porque uns podem, outros não.
É difícil crescer.
É preciso, às vezes, muito tempo para amadurecer totalmente.
Mas o momento de compreensão nos chega de alguma forma e depois de tantas perguntas sem respostas começamos de repente a ver a vida como ela é.
Deixamos de sonhar e despertamos para o conhecimento.
É doloroso saber demais.
Às vezes é melhor ignorar os fatos.
Mas é só uma ilusão, porque quando sabemos não podemos fazer de conta que ignoramos.
Seria como embalar uma boneca de sonhos.

sonia delsin


 DOIS ADOLESCENTES

Quando nos conhecemos éramos dois adolescentes.
Cheios de sonhos.
Fazíamos magia dos momentos que passávamos juntos.
Eram abraços, beijos e sonhos.
Meus sorrisos eram todos para você.
Meus olhos não só brilhavam, faiscavam.
Minha voz só sabia repetir palavras de amor.
Mas não era só disso que falávamos e só nisso que pensávamos.
Queríamos encontrar a fórmula de ficarmos sempre juntos e bem.
E conseguimos.
Um dia foi o melhor da minha vida. Nele nós nos prometemos, nos comprometemos.
Foi lindo, desde o começo. Quando caminhávamos de mãos dadas pelas ruas repetindo frases de amor. Olhos nos olhos.
Éramos dois adolescentes tão loucos, tão decididos que soubemos esperar a hora certa para tudo.
Até hoje continuamos os mesmos. Dividindo sonhos e vibrando tanto em cada vitória nossa.
Hoje já temos filhos adolescentes e vejo que no fundo não mudamos tanto. Ainda sonhamos juntos e ainda queremos tanto estar juntos.
Sempre.

(não foi exatamente este o final – mudanças acontecem – foi escrito há vários anos este texto e desejei mantê-lo na íntegra)

 sonia delsin


PELOS CAMINHOS

Eu acreditei num mundo bom que me mostraram por detrás de minha janela.
Acreditei que houvesse muita luz, muito verde, muito amor e muita felicidade nele.
Era muito pequena para conseguir abranger a dimensão do mundo, mas quis tentar.
Eu precisava me levantar de uma cadeira de rodas para caminhar pelos campos e temia machucar-me pelos caminhos.
Tanto tentei que acabei conseguindo.
Não pensem que foi fácil. Foi difícil, tão difícil!
Deparei com realidades absurdas.
Levei rasteira.
Muitas vezes me acovardei diante dos fatos.
Após este período negro de minha vida e da superação eu conheci o amor. O amor e a partir de então passei a enxergar um caminho de flores.
A vida não é fantasiosa como foram os meus sonhos dentro daquele quarto.
Mas vale a pena ser vivida.
Aprendi através do sofrimento a valorizar as coisas.

sonia delsin


VIDA... CAMINHO INCERTO

Vem lentamente uma vontade de ser não mais o ser presente.
Um pouco tudo, um pouco nada; eis o que somos.
Somos gente!
E o que é ser gente?
É ter um corpo perfeitamente construído.
Idealizado por uma inteligência assombrosa.
E um espírito comandando-o?
No fundo, tamanha perfeição me assusta.
Somos um mistério para nós mesmos, buscamos respostas.
Coloco-me num determinado ponto do globo.
Então paro para pensar no mundo.
E me analiso.
O que sou, afinal?
Pequenina e frágil criatura humana.
Cheia de perguntas.
Um grande ponto de interrogação.
É engraçado como, às vezes, nos sentimos grandes.
Ou demasiadamente pequenos.
Como machucamos aos outros e a nós mesmos.
Como conseguimos destruir e construir com facilidade.
Somos regidos por uma força superior.
Não somos donos de nós mesmos.
Porque não conseguimos segurar a nossa própria vida.
Nós somos hóspedes neste mundo.
Por mais que amemos a vida.
Chegará por fim a hora de deixar tudo aqui.
Não tudo.
Porque o essencial levamos conosco.
Ou não?
 sonia delsin


A DOR DA ÁRVORE


¾ Mamãe, é verdade que árvore chora?
¾ Acho que sim, meu filho.
¾ Aquele líquido que escorre dela quando ferida são as lágrimas?
¾ Não é bem assim meu filho. O líquido é a seiva, mas as lágrimas devem escorrer junto com a seiva.
Pedrinho sentia-se triste pela dor da árvore.
¾ Mamãe, eu nunca que vou ferir uma planta. Sabe que eu amo as plantas todas?
¾ E eu não sei! ¾ exclama a mãe trazendo o filho de encontro ao peito.
Ela cresceu em meio ao verde, à terra. Aprendeu desde cedo a amar a natureza e de alguma forma conseguiu passar esse amor para o filho.
Começou a refletir no quanto a natureza conseguia ser superior às misérias humanas. Sempre pronta a reflorescer, sempre pronta a reviver.
Até quando essa misericórdia para com os homens?
Os homens sempre pensando em si mesmos, sempre procurando progredir cada vez mais, passando por cima dos valores reais. O homem sempre pronto a destruir, desmatar, queimar. O homem construindo casas em cima de casas. O homem, único ser destrutivo do planeta.
Começou a refletir no descuido do homem em deixar aos poucos morrer o planeta.
Por que o homem não conseguia enxergar o mal que causava ao planeta? Por que para progredir, o homem precisava destruir a natureza?
A natureza tão bela e formosa, trazendo flores e frutos. Um sol a cada amanhecer surgindo no horizonte. Sempre e sempre uma esperança de vida, uma promessa de eternidade.
Pedrinho tinha razão, a árvore devia chorar. Chorar pela dor de tanta mata derrubada, tanta destruição, poluição.
Os rios a correr oleosos feito artérias doentes entre margens desnudadas.
O menino tinha toda razão. A dor da natureza não sensibiliza os homens de "boa-vontade". Boa-vontade, até parece piada!


 sonia delsin


RECORDAÇÃO


A menina vestiu-se apressadamente e parou no meio da sala esperando a aprovação da mãe.
Um toque final nos cabelos e uma ajeitadinha nas meias.
¾ Você está linda, meu bem!
Rodopiando ela saiu em direção ao pequeno jardim quase trombando com o grande cão.
¾ Garoto, seu maroto, fica no seu canto!
A mãe ficou à porta olhando a menina estouvada no seu vestido branco, de mãos dadas com a irmã mais velha.
Já sabia de antemão que a caçula  voltaria para casa com o vestido encardido, com os laços todos desmanchados nos longos cabelos despenteados. Mas ainda era uma menina!
Tratou de cuidar da vida.
A menina seguiu seu caminho até a porteira fazendo estrepolias e a mana mais velha retrucando.
¾ Já vai chegar toda suja na igreja.
¾ Que me importa?
Perto da porteira os primos com as mãos sujas se aproximam.
As duas voltam para casa chorando.
A mãe quando as vê se surpreende:
¾ Até você, Ana Maria?
¾ Foram eles,  mãe, de novo!

 sonia delsin


FRANCISQUINHO


Não me recordo nada além do nome e do rosto do menino que brincou comigo há tantos anos atrás.
Naquele tempo eu era uma menina sapeca e o colégio de freiras era um tormento para mim.
Minha alma era inquieta demais e eu necessitada de espaço e tempo para sonhar.
Francisquinho foi só um amiguinho de brincadeiras.
Deve ter sido importante para mim, porque jamais o esqueci. 
Eu tinha quando muito cinco ou seis anos de idade, uns olhos azuis que deviam mais parecerem duas enormes interrogações.
Só sabia que não queria estudar lá e que iria dar um jeitinho de cair fora. Foi o que fiz.
O amigo de brincadeiras ficou lá no pátio do colégio. É assim que me recordo dele, uma escadaria, um canto nosso, nossas mãos unidas num rodopio de dança de roda.
Mais nada.


sonia delsin